Joãozinho e Marieta e a casa de pão

Devana

 

Anselmo e Griselda: disegno originale di Manuela Biave

Um lenhador e sua esposa tiveram dos filhos, um menino e uma menina, Joãozinho e  Marieta. Eram gêmeos, sempre estavam juntos e compartilhando tudo, o pão e seus sonhos. Chegou à fome e o pão era escasso. Uma noite, o pai, acreditando que os filhos estavam na cama, disse a sua mãe

-Devemos deixar as crianças na floresta e abandoná-las. Alguma pessoa de bom coração as achará, ou elas mesmas encontrarão o comer: A fome as guiará…

-Mas, meu marido como vamos deixar nossos filhos na floresta. Prefiro dar lhes o ultimo alimento que temos. Pois, sou uma mãe.

-Boba, assim morreremos todos. Então me obedeça, gostando ou não. Porque você é minha mulher e tem que fazer o que eu te digo.

A pobre mulher não conseguiu fazê-lo mudar de ideia, com lagrimas e orações. Na manhã seguinte, o homem acordou os gêmeos e os levou com ele. Deixou os em uma clareira com o pretexto de buscar madeira muito longe. Afastou-se para não voltar nunca mais. Mas, as crianças que na noite anterior tinham escutado o plano de seu pai, não se deixaram enganar e não ficaram esperando. No momento em que o pai partiu, começaram a caminhar em direção ao sol.  Marieta, segurava o pequeno Joãozinho pela mão e o guiou como se ela conhecesse o caminho. Disse:

– Não se preocupe irmãozinho sinto no coração que em algum lugar perto de aqui existe uma pequena casa que irá nos acolher e nos alimentar.

E Joãozinho que confiava em sua irmã a seguiu docilmente. Caminharam até o sol se por no horizonte, seus pobres pés estavam tão doloridos que se negavam a continuar. Finalmente, viram uma fumaça que aparecia por cima da copa das arvores. Encorajados correram a toda a velocidade e chegaram a uma pequena casa incrível toda feita de pão. Frente a entrada havia uma bonita fonte da qual brotava leite, rodeada de cachos de flores que davam passas, figos secos, castanhas, vagem de chocolate. Os dois meninos impulsionados pela fome, se lançaram sobre a pequena casa e começaram a devorar a troços as delicias. Porque ao seu redor não se via ninguém que pudesse reclamar.

Quando se saciaram, pegaram no sono, exaustos e confiantes. De fato, as crianças, quando tem o estomago cheio sempre ficam confiantes.  Foi enquanto estavam profundamente dormindo, que pela porta entreaberta surgiu um olho pesquisador. Quando era óbvio que os dois estavam dormindo a perna solta, saiu da casa um homem com um casaco comprido cheio de remendos, sapatos ponte agudos e um gorro de dormir que cobria uma cabeça totalmente careca.

O pequeno homem carregou os gêmeos em um carrinho de mão e os levou para dentro da casa onde os colocou em duas camas com lençóis de linho em um quarto encantador, cheio de brinquedos, no primeiro andar. Quando as crianças acordaram nesse belo lugar, suas almas se regozijaram.  Puseram as novas roupas, que estavam cuidadosamente dobradas encima de um baú aos pés das duas camas e saíram do quarto. Uma escada conduzia para a parte inferior da casa. Joãozinho e  Marieta desceram e encontraram uma mesa com todo tipo de guloseimas, um fogo crepitante, cachorros para brincar e um estranho homem que não parava de se mexer.

– Bom dia minhas lindas crianças – disse com uma voz persuasiva – sou Pere Angel, moro nesta casa e acolho desamparados como vocês. Podem permanecer todo o tempo que desejarem comer, beber, brincar e dormir quando quiserem.

-Mas, que devemos fazer em troca? – perguntou Marieta

-Nada, minha linda menina – disse surpreso Pere Angel -aqui tudo é de graça e disponível. A única coisa que não podem fazer é abrir a porta do porão; este lugar não é para crianças e se vocês desobedecerem serão castigados. Colocaria vocês para fora.

Joãozinho falou dando um sorriso:

– Porque iriamos ao porão? Um lugar frio, úmido e cheio de ratos podendo comer, brincar e dormir aqui como se estivéssemos no paraíso.

– De fato porque deveriam? – disse Pere Angel – Fica então decidido, vocês ficam aqui comigo, e quando não houver suficiente diversão, podem perguntar, que ficarei contente em satisfazer seus desejos.

Durante umas semanas tudo foi muito bem. As crianças comiam, faziam barulho, brincavam e riam com os cachorros até a barriga doer. Dormiam e sonhavam em suas boas camas perfumadas. E assim, passavam os dias. Mas, depois de um tempo,  Marieta começou a sentir que esta vida era muito sem graça.

-Que sentido pode ter viver assim todos os dias? Tem que haver algo mais… Um propósito mais elevado? Um sentido mais profundo da existência?

Enquanto se fazia estas perguntas, veio em sua mente a imagem do porão. Lembrou o olhar de Pere ao falar que não podiam entrar nelo. Decidiu que qualquer coisa que estivesse lá valeria a pena descobrir. O desejo de conhecimento era mais forte que o medo.

Assim, enquanto Joãozinho se divertia com os cachorros e Pere preparava um pastel mil folhas, a menina rápida e silenciosa como uma gata, empurrou a porta e começou descer as escadas. A porta do porão era verde e cheirava a menta e alecrim. Não parecia que tivesse ratos ou mofo.  Marieta empurrou a porta que se abriu sem esforço. Estranho…. ela esperava ferrolhos e cachorros latindo para proteger um lugar tão proibido. Com o coração palpitante entrou e quando seus olhos se acostumaram, descobriu que o porão continha livros, manuscritos, mapas e instrumentos estranhos que nunca tinha visto.

– Por enquanto já vi o suficiente – pensou – voltarei pela noite com uma vela.

Esta noite, pegou uma vela e refez o caminho descendo novamente as escadas até o porão. Uma vez mais encontrou a porta aberta. Deixando a vela encima de uma mesa começou folear livros e mapas. Frente a ela abriam-se novos mundos. O conhecimento a nutria mais e melhor que os jogos com os cachorros. Nos livros aprendeu como usar as ferramentas que via nas estantes e tantas outras coisas, sobre os seres viventes, animais e vegetais, sobre as estrelas, sobre outros mundos, sobre a música e a forma de cantar algumas rimas para fazer acontecer coisas mágicas.

Durante o dia,  Marieta se comportava da forma mais normal que conseguia, mas, Pere era consciente que para a menina já não interessavam jogos nem comida. Ele decidiu investigar e esperou acordado pela noite. Quando a menina se levantou para aprender algo novo no porão, seguiu a e descobriu seu segredo.

– Pois, bem – falou Pere, com o rosto desencachado pela raiva e incredulidade. – Nunca pensei que alguém fosse tão bobo para correr o risco de ser expulso de minha casa por desobedecer às ordens. Mas tive que imaginar que uma fêmea estúpida faria isso. Por que, você não continuou como seu irmão comendo sem fazer perguntas?

– Porque, eu estava cansada. Francamente meu bom pai, por que proibir em vir a este lugar maravilhoso com bons livros? Porque não me deixa vir de dia ao invés de ficar brincando com os cachorros, assim, posso dormir pela noite. Por que não posso vir? Porque é ruim?

– Não sei porque. Mas, está escrito e assim tem que ser. Porque quem escreveu esta regra decide o destino de todo mundo. E, portanto, terá suas razões.

Marieta insiste:

– Mas, não acredita que se o mundo tivesse habitado por pessoas que pudessem fazer o que seu coração desejasse, seria um mundo melhor? Não seria um lugar bom?

– O que eu acredito não importa. Você desobedeceu a lei e será castigada. Amanhã tem que partir!!

Marieta ficou aí no meio dos livros perguntando o que iria fazer e  aonde iria. Logo, decidiu que por nada deste mundo renunciaria estes livros e mapas, pegou o carrinho de mão que eles tinham sido transportados para dentro da casa, pelo pai Pere. E começou a carregar todos os livros e pergaminhos que conseguiu carregar. Logo foi vestir uma roupa adequada, deixou um bilhete para seu irmão, pegou o carrinho de mão que transbordava de livros e saiu pela noite a fora.

Caminhou por uma hora mais ou menos, rapidamente para abafar o desespero e, por fim, caiu no pé de uma bela árvore e começou a chorar. Chorou até não poder mais, se aconchegou nas raízes da grande avó árvore e dormiu. De madrugada acordou com um cheiro de comida, olhou para um lado e viu um pequeno fogo, viu uns bolinhos para cozinhar sobre pedras quentes e um jarro com leite.

A menina comeu e bebeu tranquila, se sentou junto ao fogo esperando que aparecesse a pessoa compassiva que lhe havia ajudado. Logo depois, escutou uma canção que vinha das arvores, parecia ser um canto de mulher. Então viu uma maravilhosa anciã vestida de verde vir em sua direção. Carregava uma bolsa cheia de raízes e ervas, uma vara de madeira e uma pequena cabra caminhava a seu lado.

– Bom dia, menina – saudou com voz melodiosa – espero que tenha desfrutado de meus bolinhos e do leite da minha Beniamina.

– Bom dia, vovozinha – respondeu cordialmente  Marieta – Comi a vontade e te agradeço.

Marieta começou de novo a chorar pensando no seu irmão pequeno que não estava ao seu lado. A mulher da floresta, que sabia de tudo, não ficou fazendo perguntas bobas, como às vezes fazem os adultos as crianças.

– Você foi muito valente – disse com voz solene – e merece ser recompensada. Você rompeu uma lei absurda e desnecessária, que tem um único proposito de provar a inteligência e a coragem de quem vem na casa do pão. Demonstras-te que merece os conhecimentos dos livros e a experiência. Se desejas, se teu coração fala, poderá ser minha aprendiza e viverá comigo entre as árvores. Terá alimento para o corpo, também para o espirito e ainda poderá pedir um desejo.

– Então gostaria que viesse meu irmão pequeno – respondeu sem duvidar um minuto.

Assim,  Marieta e a anciã da floresta, foram à casa do pão para buscar a Joãozinho, que feliz correu ao encontro de sua irmã. Desde então, vivem os três com a cabra e todos os animais na casa das árvores. Eles comem, brincam e aprendem coisas novas a cada dia, a respeito das coisas milagrosas da vida, dos lábios da boa vovó que nunca se cansa de responder as suas perguntas.

Texto escrito por Devana

Traduzido por Helena Pinheiro Bastos e Liliana Alicia Lavisse Teixeira

Ilustração Manuela Biave

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